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quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27250: As nossas geografias emocionais (59): CIM Bolama, setembro de 1973, o meu CSM (Manuel Rosa, ex-fur mil, Chefia do Serviço de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74)



Guiné > Arquipélago Bolama - Bijagós > Bolama > CIM (Centro de Instrução Militar > CSM (Curso de Sargentos Milicianos) > c. 1973/74 > O  soldado-instruendo, e depois 1º cabo miliciano e depois fur mil, Chefia de Serviço de Intendência do QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (tal como o Carlos Filipe Gonçalv3es).

Fotos (e legenda) : © Manuel Amante da Rosa (2024. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.



1. Mensagem do Carlos Filipe Gonçalves (ex-fur mil, Chefia do Serviço de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74)

Data - segunda, 22/09/2025, 13:24

Olá, Luis, Bom dia:

Encontrei hoje por acaso no FB esta publicação do nosso camarada e amigo Manuel Rosa, sobre a sua passagem pelo Centro de Instrução em Bolama. É uma recordação com muitos pormenores. Será que já tinha sido publicado no blogue Tabanca Grande? A data é de 15 de Agosto de 2024. Eis o link:

https://www.facebook.com/search/top/?q=Manuel%20Rosa%20CISM%20Bolama

Segue abaixo a cópia que fiz do post, talvez tenha ineresse.

Forte abraço, vida e saúde para todos nós

Carlos Filipe Gonçalves

Jornalista Aposentado


2. Resposta do nosso editor LG, com data de terça, 23/09/20925, 22:24

Carlos, obrigado, é um achado... Vou publicar, penso que o Manuel não se zanga comigo. Conhecemo-nos pessoalmente há bastante anos (c. 2009). Ele teve a gentileza de ir à minha Escola (Nacional de Saúde Pública, no Lumiar, perto do estádio de Alvalade, do SCP) para me conhecer pessoalmente e partir mantenhas.

O Manuel Amante da Rosa (sic) trm c. 4 dezenas de  referências no nosso blogue. Também é amigo da Isabel Brigham Gomes, que foi minha aluna há largos anos, no curso de Mestrado em Saúde Pública. Mas não tenho sabido notícias dele. Julgo que vive agora no Mindelo (pelo que vejo na página do Facebook). Deve estar aposentado ou reformado...Pertencia ao Ministério dos Negócios Estrangeiros...

Viajei no Geba no "barco-turra" do pai... Dá-lhe notícias minhas/nossas. Dou-lhe conhecimento deste mail, espero que ele ainda use o mesmo endereço de email. Gostaria de poder retomar os nossos contactos. Nunca conheci Bolama, o meu CIM foi em Contuboel (em junho/julho de 1969, na formação da futura CCAÇ 12, uma companhia de fulas, depois colocada em Bambadinca). Mas muita malta do blogue passou por Bolama... Vou ver em que série vou publicar esta deliciosa crónica. Ele sempre escreveu muito bem.

Para ti, um chicoração fraterno. Luís

 
3.As nossas geografias emocionais (**) >   CIM Bolama, setembro de 1973, o meu CSM 



por Manuel Amante da Rosa (ex-fur mil, Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74, hoje embaixador reformado, Cabo Verde; nassceu em Bolama, filho de pais cabo-verdianos)

 Idos de Setembro de 1973, ainda um imberbe de 20 anos, voltava à ilha de Bolama para assentar praça no único e estafado Curso de Sargentos Milicianos (CSM), no Centro de Instrução Militar (CIM),  que se fazia na Guiné. 

Cmo era o único anual e em pleno território em guerra e confrontos armados, quase generalizada, havia exageros ou “heróis” de aquartelamentos. O CIM não fugia à regra.

Muito calcorreámos e rastejámos pela ilha! Em marchas e patrulhas, diurnas e noturnas, forçadas e esforçadas!! Até a pista de lodo de ir e vir ao Farol fizemos. Só quem andou pela guerra na Guiné sabe o que é ter pela frente lodo para atravessar. Afundamo-nos até à cintura. E a G-3 torna-se maldita. Imprestável. Amaldiçoada a cada avanço.

Num quartel de instrução militar que formava todos os militares de recrutamento local, mais de dois mil por ano, a comida era péssima, em pratos e caçarolas de alumínio e servida em dois turnos ou por vezes três. Asseio nulo. 

Até praga de sarna imputada aos numerosos cães do quartel houve pela unidade. Fui uma das vítimas. Micoses e furunculoses (fui notável vítima desta) eram consideradas normais e havia fórmulas (até número 7, dependendo do grau de infecção) e unguentos militares para tratamento de tudo. 

Mas os Fuzileiros eram melhores. O idoso Sargento Enfermeiro deles, que já tinha passado pela Índia e Timor, após prognóstico errado de dois jovens alferes médicos de que ou teria micose ou sarna, graças a uma feliz intervenção do Imediato da Escola de Fuzileiros, curou-me. Disse ser má circulação e alergia possível ao alumínio. 

Curou-me até hoje. Com autossangue. Ía à enfermaria dos Fuzileiros, tirava-me sangue do braço esquerdo, injetava logo na nádega direita e aplicava no braço uma injeção de immunodol (?), segundo penso. 

No dia seguinte voltava para o braço direito e a nádega esquerda. Quinze dias seguidos e tudo desapareceu. Até hoje!! 

Mas no CIM o nosso soldado maqueiro, que por vezes exalava, pela manhã, um hálito de vinho de caju ou outro, era um autêntico médico de ocasião. Sempre disponível!!

Qualquer infecção, mesmo bolhas arrebentadas no pé ou unhas encravadas e infetadas, tosse, dor no corpo, pangabarriga (diarreias), esquentamentos, sarna e/ou micose era tratado com um "cunto” (injecção de penicilina de um milhão de unidades, aplicada bem de manhãzinha antes do furriel ou médico chegarem bem mais tarde).

Abria o armário, regalava os olhos perante tantos “cuntos” à sua livre disposição e em tão pequeno frasco!! Retirava de um pequeno tacho de alumínio a ferver a seringa e a enorme agulha (ainda não havia seringas e agulhas descartáveis) com um olhar de sabedoria e sadismo que baste! 

Eu fechava os olhos e pedia a Deus para me proteger da agulha. De ficar manco. O maqueiro mandava arrear a calça militar e “pimba”. Espetava a agulha sem hesitação! 

Por vezes a “cuntomania” (um milhão de unidades de penicilina) durava uma semana seguida. Desisti porque a furunculose no meio das pernas não passava. Não havia controlo. Mas nunca me apercebi dessa apetência na Guiné pelas injecções (gudja).

Acontecia ter vómitos imediatos de estômago vazio e sentir o sabor estranho de remédio e sobrevinha fraqueza logo depois. Mas todos sobrevivemos. Fosse hoje!!!

Valeu-me muito fingir que almoçava no rancho (sujava o prato de alumínio porque aqueles “heróis de quartel”, alguns até de pingalins, sempre passavam para verificar)
e depois ir jantar no Palácio de Bolama, onde o Administrador do Concelho era o meu querido e saudoso tio. 

Habitualmente era o último instruendo a entrar na porta de armas antes dela ser fechada às 11 da noite.

E dirigia-me para a nossa caserna onde eu próprio e todos os meus antepassados éramos insultados, vernaculamente e na língua de todas as etnias possíveis da Guiné!! Era a minha boa hora de me desobrigar de me sentir na tropa.

Os insultos eram de “koutina na má” para pior. Dependendo da rigidez dos insultos,  respondia com um “Kuk d’obú”! Ou cantava “Tindon, tindon, obú di lontra, bú rabatal”.(*)

Algo que fazia subir o tom e teor dos insultos na escura caserna. Fazia barulho, acordava alguns mais próximos para perguntar as horas ou me resfolgava ruidosamente. A pior coisa que podia ser feito numa caserna. É um ultraje para a cultura guineense o fazer. Levava de imediato muitos a cuspirem. Palavra!!

A maioria de nós éramos da mesma geração do liceu, tínhamos sido criados juntos e a camaradagem e solidariedade nas piores situações dentro ou fora do quartel era imediata.

Sabíamos que alguns ao fim de 3 anos não sairiam vivos ou ilesos da tropa. A guerra estava no seu auge. O equilíbrio existente até essa altura se desfazia e era percebido. A guerrilha era cada vez mais ativa. E as flagelações aos quartéis mais certeiras. As minas eram cada vez mais implantadas, nas estradas, picadas e trilhos de patrulhas. Faziam muitas vítimas. Mais até que os ataques aos quartéis e emboscadas. 

Havia entre nós a crença de que em patrulhas era melhor usar botas de lona. Porque as minas, se pisadas, somente levariam uma parte do pé. Se com botas de cabedal o sopro levaria todo o pé até onde terminava na canela. Nunca precisei dessa teoria.

Sabíamos também que muitos de nós teriam como destino as Companhias de Caçadores! De recrutamento local, enquadradas por oficiais e sargentos da “metrópole”. Umas espécies de unidades para carne de canhão. Nas piores zonas da “província” !

Lembro-me de ter entrado por duas vezes em vias de facto com dois colegas mais fortes, pelo meio dia, e à tardinha estarmos sentados um ao lado do outro em cavaqueira conversa.

Felizmente e graças a Deus o 25 de Abril pôs fim à guerra! Fomos desmobilizados.

Entramos logo a seguir em novos desafios. Fui ser professor. Mas fica para um outro momento com disposição para rememorar.


(Revisão / fixação de texto, título: LG)


________________


Notas do editor LG:


(*) Último poste da série > 24 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27249: As nossas geografias emocionais (58): A Pousada do Saltinho ou "Clube de Caça", com ar de abandono, em maio de 2025 (João Melo, ex-1º cabo op cripto, CCAV 8351, "Os Tigres do Cumbijã", Cumbijã, 1972/74)

(**) Com a ajuda do assistente de IA / ChatGPT, apurei o seguinte:

No crioulo da Guiné-Bissau, insultos como “koutina na má” (“a tua mãe é uma puta”) ou “Kuk d’obú” (“caga no teu pai”) eram das ofensas mais duras, por atacarem a honra familiar. Já cantos como “Tindon, tindon, obú di lontra, bú rabatal” (“Tin-don, tin-don, pai da lontra, tu és feio”) tinham um tom mais trocista, usados para desarmar tensões ou provocar a rir.

Enquadramento cultural do uso e significado destas expressões na Guiné em 1973:

(i) O valor dos insultos no crioulo

O crioulo da Guiné-Bissau tem um repertório riquíssimo de insultos, quase sempre ligados à família (especialmente à mãe e ao pai). Dizer “koutina na má” (a tua mãe é uma p*ta ) era dos piores insultos possíveis, porque atingia diretamente a honra familiar.

Da mesma forma, “Kuk d’obú” (caga no teu pai) é altamente ofensivo, já que desrespeita a figura paterna, pilar de respeito na cultura guineense.
 
(ii) Resposta com insulto ou com canto

Quando alguém insultava, havia duas opções: responder no mesmo tom (com outro insulto ainda mais duro) ou quebrar a agressão com humor ou música.

O canto “Tindon, tindon, obú di lontra, bú rabatal” tem um tom trocista. Não é um insulto tão pesado, mas funciona como uma gozação para desarmar a tensão. O ritmo “tindon, tindon” imita um refrão ou um toque de tambor, quase infantil.

Chamar alguém de “pai da lontra” ou “feio” é mais ridicularizar do que agredir seriamente.

(iii) Contexto em 1973


No tempo da guerra colonial, estas expressões circulavam entre soldados (portugueses e guineenses) e também entre crianças e jovens das tabancas. Eram usadas tanto em discussões sérias como em brincadeiras:  na oralidade guineense, até os insultos podem ter uma função lúdica, de provocação amistosa ou de reforço de laços.

Em resumo: os insultos duros marcavam rivalidade e conflito, mas os cantos e troças ajudavam a aliviar tensões e até a criar cumplicidade

terça-feira, 16 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27223: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - Adenda II: serviço de "guarda de honra" ao tribunal militar



Guiné > Bissau > Antiga Av da República > Edifício da administração civil onde funcionavam os tribunais (civil e militar) > c. 1917/73 >  Hoje é sede do Supremo Tribunal de Justiça da República da Guiné-Bissau >  Foto do álbum do José Romãoex-fur mil at inf, CCAÇ 3461 / BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, e CCAÇ 16, Bachile, 1971/73.


Foto (e legenda): © José Romão (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 




Carlos Filipe Gonçalves, nosso antigo camarada na Guiné (foi fur mil amanuense, Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74), é uma figura bastante conhecida no seu país, Cabo Verde: radialista, jornalista, escritor, etnomusicólogo... Natural do Mindelo, vive na Praia. É autor, no nosso blogue, da série "Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo)", de que se publoicaram 9 poestes mais uma adenda (*)

 
1. Manda-nos agora um comentário ao poste P27222  (**):

Data - 16 set 2025 14:22

Assinto - Comentário ao poste do Abilio Magro

Olá, caro, amigo:

Começo a me recompor do choque (***), vou tentando voltar à normalidade. Obrigadíssimo pelo teu apoio, naquele momento difícil no passado mês de Agosto. Na Guiné, dizem: mês de Agosto, mês de desgosto! Isso numa alusão ao Massacre de Pidjiguiti em 1959! Pois é, desde que vivi entre 1973 e 1975 que fiquei com esse horror ao mês de Agosto… talvez agora, um trauma.

Olha, vi o post do amigo e companheiro Abílio Magro (**), não resisto e fazer um comentário, que segue abaixo:

Em Bissau, após a minha chegada, ao QG/CTIG, talvez meio e mês depois, fui escalado para esse serviço,  “Guarda de Honra”, num julgamento no Tribunal Militar em Bissau que decorreu, no Palácio da Justiça ou o edifício que funcionava como tal, ali perto da Igreja (julgo um pouco abaixo) do lado direito da Avenida principal, que ia desembocar na Praça do Império, hoje, Praça dos Heróis Nacionais em Bissau. 

Recordo, era um julgamento de guineenses que tinham sido presos por ligações à guerrilha, logo eram vulgarmente chamados «turras». 


O «protocolo» era o mesmo descrito pelo Abílio Magro, só que a mim deram-me na arrecadação uma pistola Walther, os soldados eram todos guineenses, acho, do recrutamento local, levaram G-3. 

O serviço de Guarda de Honra durou apenas um dia, o julgamento é claro continuou, pois havia outros na escala para esse serviço. Quando começou, ouvimos o início, acusações em “apresentar arma”, mas depois, só lá ficaram dois soldados de sentinela dentro do tribunal; o resto, ficava cá fora e de hora em hora iam render os que estavam na sala. 

Por isso, recordações sobre acusações não ficaram, pior ainda, nunca mais me interessei, depois daquele dia de calor intenso, durante o serviço no Tribunal em Bissau.

Já agora, me lembro, que havia uma série de serviços e escalas, que se faziam pelo uma vez, para além escalas que cumpríamos uma vez por mês: 

  • Guarda (na entrada principal do QG em Santa Luzia); 
  • Piquete (ronda nocturna no bairro de Cupelon oi Pilão);
  • Guarda da PIDE (parte traseira). 

Para além destes, pelo menos a mim, coube apenas uma vez, ser nomeado «escrivão» num processo em que estava envolvido um guineense, que foi capturado no mato, logo acusado de ajudar o IN. Estava preso, ali pelos lados de Brá, numa prisão de um quartel que já não me lembro o nome. 

Quando chegamos lá, numa tarde, eu, escrivão, e o alferes inquiridor, encontrãmos os presos a jogar futebol! O encarregado da prisão, que era cabo-verdiano, ficou surpreso com a nossa chegada. Apitou logo, o jogo parou e começou logo a contagem de quantos eram os presos! 

E explicou-nos: "Temos de estar sempre atentos, pois se um deles fugir, sou o responsável!"

 Voltaram todos para as celas, ficou apenas o preso, que fomos interrogar. Não durou muito tempo, pois o alferes fez a leitura das declarações que estavam no auto e o preso confirmou tudo. Logo, foi rápido, assinámos e fomos embora.

Já agora, recordo, o primeiro serviço de «guarda de honra» que fiz, foi no dia 1 de Dezembro de 1972, no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, Missa, no Dia da Restauração. 

Fiquei espantado, com a presença de um grande número de altas patentes, de tenente-coronel para cima!!! Felizmente tudo correu bem; para mim foi a primeira vez que entrava naquele monumento, vi o túmulo de Luís de Camões.

Forte Abraço, vida e saúde

Carlos Filipe Gonçalves

Jornalista Aposentado

(Revião / fixação de texto: LG)

____________________

Notas do editor LG:


(*) Vd. postes de:

16 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26924: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - Adenda I: Kalú de Nhô Roque e a sua "circunstância"

13 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26917: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - X (e última) Parte : a guerra de nervos nos últimos seis meses


(**) Vd poste de 15 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27222: Humor de caserna (212): Dura lex sed lex!...Guarda de Honra ao tribunal millitar (Abílio Magro, ex.fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG, Bissau, 1973/74)


(***) Vd- poste de 9 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27104: In Memoriam (558): Dúnia Ivone Ramos Gonçalves (1976-2025), filha do nosso camarada Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, CefInt / QG / CTIG, Bissau, 1973/74): o funeral é amanhã, às16h00, no Cemitério da Várzea, Praia, Cabo Verde

domingo, 10 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27108: Consultório Militar do José Martins (89): Os antigos combatentes não deviam ser esquecidos, mesmo tendo perdido a nacionalidade portuguesa como eu (Carlos Filipe Gonçalves, Cabo Verde)



1. Mensagem do Carlos Filipe Gonçalves (nosso antigo camarada de armas, que acaba de perder, este fim de semama, a sua filha mais velha, Dúnia Gonçalves, de 49 anos de idade) (*):

Data - segunda, 28/07, 13:30

Assunto -  Cartão de Antigo Combatente (**)

Caro, Luis,

Recebi ontem este email sobre as dificuldades do nosso Zeca Macedo em obter o cartão de combatente. O mesmo aconteceu comigo. 

Sobre a questão, da nacionalidade dele, não sei nada, mas, como ele regressou da Guiné para Portugal, deve ter continuado com a nacionalidade portuguesa. Curiosidade: ele, é de família da Ilha do Fogo…, uma parte substancial dos imigrantes de origem cabo-verdiana, nos Estados Unidos, são das Ilhas do Fogo e Brava ou descendentes de gentes dessas ilhas! Eis porque foi para lá.

Quanto a mim, o drama é outro… em 1974 fiquei na Guiné, o meu primeiro passaporte foi da Guiné-Bissau, para eu poder viajar para Cabo Verde, para fazer a reportagem da Proclamação do Estado em 5 de Julho de 1975! 

Depois de regressar definitivamente a Cabo Verde em agosto de 1975, dizia-se que, tanto faz, um passaporte da Guiné, ou de Cabo Verde…, coisas da Unidade Guiné-Verde!!!

O meu, o da Guiné, era válido por 4 anos, logo não foi possível trocar/renovar de imediato…. Utilizei esse passaporte, quando viajei como repórter com o Presidente Aristides Pereira a Angola, para os festejos do 1.º Aniversário em 11 de novembro de 1976; depois, em 1977, viajei em julho para assistir ao Festival de Cinema de Moscovo…. 

Só obtive um passaporte cabo-verdiano, quando fui em março de 1980 estudar em França!!! Pudera, já estava caducado!!! Conclusão, perdi a nacionalidade portuguesa!

Assim, pergunto, como militar que serviu na Guiné, será que poderei ter algum benefício? 

Preenchi o tal formulário que circulou pela internet, nunca tive qualquer resposta. O único benefício que tive até hoje, foi na contagem do tempo de serviço, na função pública de Cabo Verde. Consegui a contagem do tempo de tropa, 4 anos e 3 meses, no chamado ex-PU, em Portugal… a minha tia, Orlanda Ferreira, foi lá, deu o meu nome e o meu n.º 800 049/71 e passaram logo a certidão que tenho aqui. Este 4 anos e tal da Guiné, foram incluídos no total do meu tempo de serviço na Função Pública, como jornalista.

Outro drama, perdi, os documentos da passagem à disponibilidade, em Bissau, Guiné…, porque, a minha, saída da Guiné foi rocambolesca, deixei lá tudo!!! Conto isso no livro sobre a tropa na Guiné…. Pronto, consegui sair de fininho…. Felizmente! Olha, sou reformado, tenho uma pensão de mais de mil euros da Função Publica de Cabo Verde, pagos pelo Instituto Nacional da Previdência Social (INPS). 

Não tenho, portanto, nada tenho a reclamar, salvo, a discriminação e burocracia, se por acaso pretender viajar para Portugal…, obter um visto, é um problema bicudo. Acho que os antigos combatentes, não deviam ser esquecidos e ter esse tratamento. Por isso, deixei de pensar em passar ou ir a Portugal… quando viajo para o estrangeiro, prefiro  sair, via Dakar, Senegal…

Caro, companheiro, arranjei hoje um tempinho para escrever, pois tenho estado completamente envolvido com os problemas da doença da minha filha, que sofre de um câncer de mama, dos mais agressivos. Está de novo internada, logo, a minha vida agora, é no hospital. Tenho tido o apoio do meu irmão, médico oncologista, que vive aí, trabalha no Hospital S. Francisco Xavier. Ele foi em 1973 e nunca mais voltou, bem como o meu pai… esta história, conto no livro que te enviei, sobre a Rádio Barlavento.

Por esse motivo, a doença da minha filha, vou-me atrasar, no envio das partes do livro, sobre a Guiné, depois do 10 de Setembro de 1974 a Agosto de 1975, quando regressei a Cabo Verde. Sinceras desculpas, apelo à tua compreensão…

Vida e Saúde para todos nós. Forte abraço

Carlos Filipe Gonçalves
Jornalista Aposentado, ex-Furriel Miliciano

2. Na ausência do Zé Martins, que foi "a banhos" e fechou o seu "consultório militar", npo mês deagotso,  o nosso asistente de IA, o "Sabe-Tudo",  responde à tua pergunta:

2.1 Sou cabo-verdiano. Sou antigo combatente das Forças Armadas Portugueses, na guerra colonial (Guiné-Bissau, 1973/74). Perdi a nacionalidade portuguesa. Posso recuperá-la ? E ter o cartão de antigo combatente ?

Resposta do ChatGPT:

Recuperar a Nacionalidade Portuguesa

Sim, é possível recuperar a nacionalidade portuguesa, dependendo da forma como a perdeste:

Se nunca adquiriste outra nacionalidade estrangeira após a perda da portuguesa (situação menos frequente, mas legalmente prevista), podes requerer naturalização com dispensa de residência e sem necessidade de prova de língua portuguesa (Vd. Guia da Nacionalidadejustiça.gov.pt).

Se perdeste a nacionalidade ao adquirires outra nacionalidade estrangeira, há possibilidade de reaquisição, mediante declaração de vontade perante as autoridades, sem necessidade de residência em Portugal (Vd. Governo de Portugalconsuladoportugalsp.org.brvcportugalpoa).

Requisitos gerais:

(i) ser maior ou emancipado legalmente;

(ii) não ter condenações criminais com pena de prisão de 3 anos ou mais;

(iii) apresentar documentos como certidão de nascimento, certidão de registo criminal e comprovativos de que não adquiriste outra nacionalidade, conforme o caso ( Guia da Nacionalidadejustiça.gov.pt ).

Os requerimentos podem ser apresentados nos consulados portugueses, conservatórias ou online (com mandatário, como advogado ou solicitador) (Guia da NacionalidadeGoverno de Portugaljustiça.gov.pt).

Cartão de Antigo Combatente

Como ex-combatente mobilizado na Guiné-Bissau em 1973/74, tens direito ao Cartão de Antigo Combatente, um documento gratuito, emitido pela Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional (DGRDN) (Vd.  Governo de PortugalMinistério da Defesa=.

Passos para o obter:

requerer a contagem do tempo de serviço militar (essencial para a emissão do cartão) através do Balcão Único da Defesa (Ministério da Defesa);

se o cartão não chega automaticamente, basta atualizar/confirmar os teus dados pessoais via formulário no portal da Defesa Nacional (Governo de Portugal).

Benefícios associados incluem: isenções no SNS, transporte intermodal gratuito, entrada gratuita em museus, preferências habitacionais, insígnia, honras fúnebres, entre outros (ePortugalMinistério da Defesa).

Resumo > Situação  | Ação Recomendável 

(i) Recuperar nacionalidade

 Avalia se houve outra nacionalidade adquirida. Prepara documentos e requer no consulado, conservatória ou com ajuda profissional.

(ii) Obter Cartão de Antigo Combatente  

Requer a contagem de serviço no Balcão Único da Defesa e atualiza os dados para receber o cartão, se necessário.

2.2. Um cidadão cabo-verdiano, anteriormente português (antes da independência de Cabo Verde, pode ter a dupla nacionalidade, cabo-verdiana e portuguesa?

 Sim, em muitos casos pode.
 
Quando Cabo Verde se tornou independente de Portugal, em 5 de julho de 1975, as regras de nacionalidade passaram a seguir o que estava previsto na Lei da Nacionalidade Portuguesa da época.

Os casos mais comuns são:
  • cidadãos nascidos em Cabo Verde antes da independência: eam automaticamente considerados cidadãos portugueses (pois Cabo Verde era território português);
  • após a independência, passaram a ser cabo-verdianos por atribuição automática
A nacionalidade portuguesa podia ser mantida se tivessem ligação efetiva a Portugal (residência, família, registo civil em Portugal, etc.) ou se a tivessem declarado formalmente.


~



Dupla nacionalidade: 
Portugal e Cabo Verde permitem dupla nacionalidade.

Quem manteve a nacionalidade portuguesa após 1975, ou a readquiriu depois (através de pedido administrativo), pode ter as duas nacionalidades legalmente.

Readquirir nacionalidade portuguesa

Mesmo que a nacionalidade portuguesa tenha sido perdida na altura da independência, hoje é possível readquiri-la ao abrigo da lei atual, muitas vezes de forma simplificada para ex-cidadãos portugueses e seus descendentes.

 Resumo: Se o cidadão cabo-verdiano era português antes de 1975, pode ter dupla nacionalidade:  se manteve a portuguesa na altura ou se a readquiriu mais tarde.

(Pesquisa: IA / LG | Revisão / fixação de texto: LG)
________________

Notas do editor LG: 

(*) Vd. poste de 9 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27104: In Memoriam (558): Dúnia Ivone Ramos Gonçalves (1976-2025), filha do nosso camarada Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, CefInt / QG / CTIG, Bissau, 1973/74): o funeral é amanhã, às16h00, no Cemitério da Várzea, Praia, Cabo Verde

sábado, 9 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27104: In Memoriam (558): Dúnia Ivone Ramos Gonçalves (1976-2025), filha do nosso camarada Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, CefInt / QG / CTIG, Bissau, 1973/74): o funeral é amanhã, às16h00, no Cemitério da Várzea, Praia, Cabo Verde



1. Da página do Facebook de Ana Gonçalves, filha do nosso camarada Carlos Filipe Gonçalves, transcrevemos a seguinte mensagem:

Comunicado de Falecimento:

É com profundo pesar e imensa dor que a família comunica o falecimento de Dunia Gonçalves (@Nasha Gonçalves), vítima de doença prolongada, ocorrido hoje na Cidade da Praia.

Deixa o seu filho Rafael Lopes, os pais Ana Gonçalves e Carlos Filipe Gonçalves, as irmãs Monika e Ana Carla, sobrinhos, cunhado e demais familiares, que com grande tristeza partilham esta notícia.

O velório realiza-se na segunda-feira, 11 de agosto, no salão da Igreja do Nazareno, no Platô, Praia.

O funeral terá lugar no mesmo dia, pelas 16h00, no Cemitério da Várzea, com partida do salão da Igreja do Nazareno pelas 15h00.

A família agradece desde já todas as manifestações de apoio e solidariedade neste momento de luto.




A Dúnia é a primeira, da esquerda.
Foto: Ana Gonçalves (2025).
(Com a devida vénia...)




2. Outro excerto da página do Facebook da Ana Gonçalves:

(....) Éramos 3 ... sempre juntas que até misturávamos os nossos nomes, vou ser sempre a tua MoAna,  como dizias quando querias me chamar mas chamavas primeiro a Monika ...

Já não vou ouvir a tua voz na rádio nem nas publicidades.

Não vais ver o Francisco (txukin) e a Catarina (txorona) a crescerem.

Eu sei que lutaste ... agora descansa ... vou ter muitas muitas saudades. (...)



3. Nota do editor LG:

Carlos Filipe Gonçalves, nosso antigo camarada na Guiné (foi fur mil amanuense, CefInt/QG/CTIG, Bissau, 1973/74), é uma figura pública no seu país, Cabo Verde: radialista, jornalista, escritor, etnomusicólogo...  

Natural do Mindelo, vive na Praia. É autor, no nosso blogue, da série "Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo)"

Ainda recentemente escreveu aqui, em poste de 5/7/2025:

(...) "50 anos depois, estou aposentado. Casado, tenho três filhas (49, 47 e 41 anos de idade), quatro netos (26, 18, 3 anos, neta recém nascida com um mês e meio). Vivi a grande aventura do depois da «Independência»… no que me concerne, já escrevi como vivi e o que se passou na história recente da rádio (livro ainda não publicado) e também já escrevi sobre a história da rádio no antes da Independência (um dos livros já publicado, o 2.º à espera de ser editado).

"E para completar, já escrevi o que vi e vivi na Guiné de 1973 a 1975, porque memórias de cabo-verdiano de ambos os lados, na Guiné, antes e depois das Independências, também precisam ser conhecidas". (..:)

Sabíamos que tinha a filha mais velha, Dúnia, de 49 anos, no hospital, na Praia, a lutar contra um cancro da mama. Ainda ontem, e sem ter notícias dele desde 28 de julho passado, lhe mandei às 23:21 a seguinte mensagem:

(...) "Carlos: (...) quero saber como tem evoluído o estado de saúde da tua filha. Imagino quanto ela e a vossa família estão a sofrer. Estou solidário contigo. Não sei rezar, mas espero que os deuses e os bons irãs a protejam e a salvem. Um abraço fraterno, Luís." (...)

Esta manhã soube pelo Zeca Macedo do desfecho fatal: nem os deuses nem os bons irãs salvaram a Dúnia. Para a família, destroçada, do nosso camarada de Cabo Verde, Carlos Filipe Gonçalves, pai, mãe, filho e irmãs da Dúnia, e demais família e amigos íntimos, vão os votos de pesar da nossa Tabanca Grande. Os filhos dos nossos camaradas nossos filhos são. (*)

Foto à esquerda: o nosso camarada, Carlos Filipe Gonçalves, em 8 de agosto de 2014, com a filha mais velha, Dúnia: "Estou feliz e orgulhoso! Coloquei hoje a fita na minha filha Dunia, finalista do curso de Comunicação Social. Parabéns Dunia! Cerimonia esta tarde na UNIPIAGET".


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Nota do editor:

Último poste da série  > 29 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27066: In Memoriam (557: Rita Mascarenhas (1978-2025), filha do nosso camarada José Rodrigues (ex-fur mil trms, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67): o velório terá lugar na 5ª feira, dia 31, a partir das 12 horas na Igreja Paroquial da N. Stra. do Cabo, Linda-a-Velha; às 16 horas haverá missa de corpo presente, seguindo o funeral, às 16.30, para o crematório do cemitério de Barcarena

sábado, 5 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P26985: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (7): reportagem do 5 de julho de 1975 - III (e última) Parte (Carlos Filipe Gonçalves)



Foto nº 1 e 1A


Foto nº 2

Na foto (nº 1 e 1A), a presença de um humilde jornalista, que lá estava no acontecimento… e por acaso foi apanhado pela câmara fotográfica… tão discreto, que é preciso uma «seta» para indicar onde estou e se ver o meu perfil inconfundível. 

No Estádio da Várzea, atrás de mim, de pé, com auscultadores, o  Zeca Martins, o operador de som que gravou toda a cerimónia da Proclamação da Independência em 5 de Julho.  A equipa de reportagem da  Rádio Difusão da Guiné – RDN incluía, além do Zeca Martins, o António Óscar Barbosa, "Cancan",  e eu, Carlos Filipe Gonçalves,"Kalú".

Nas fotos 1 e 2, ao canto superior direito, vê-se o 1º ministro de Cabo Verde, Pedro Pires, e o 1º ministro de Portugal, Vasco Gonçalves (1921-2005), chefe do IV Governo Provisório (28 de março - 8 de agosto de 1975).

Foto (e legenda) : © Carlos Filipe Gonçalves (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Carlos Filipe Gonçalves, nosso antigo camarada na Guiné (foi fur mil amanuense, CefInt/QG/CTIG, Bissau, 1973/74), é uma figura pública no seu país, Cabo Verde: radialista, jornalista, escritor, etnomusicólogo...  (ver aqui entrada na Wikipedia). Natural do Mindelo, vive na Praia. É autor, no nosso blogue, da série "Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo)"

 
Cabo Verde - Reportagem por Ocasião do 5 de Julho de 1975 - III (e última) Parte  
 
por Carlos Filipe Gonçalves (*)
 

Eis, mais um extrato do meu livro Memórias da Rádio Barlavento, no qual dou a seguinte descrição de como vivemos o dia 5 de Julho de 1975 e do nosso trabalho de repórteres da rádio.

No dia 5 de julho, sábado,  acordámos cedo de uma noite mal dormida. Sem transporte, fizemos a pé com todo o equipamento às costas, o percurso desde o nosso alojamento no bairro da Fazenda ao platô, pela subida íngreme até o local do «mata-bicho». 

O sol já estava quente, chegamos exaustos, molhados em suor. Logo depois, fizemos o percurso, outra vez a pé, até ao Estádio da Várzea, onde chegámos pouco antes das 8 h e 30. Eu estava integrado na equipa da reportagem da RDN - Radiodifusão Nacional da Guiné-Bissau, onde era Chefe de Programação, desde setembro de 1974. 

Logo depois da nossa chegada ao Estádio da Várzea, instalámos o equipamento: um gravador profissional Nagra (que pesa 12 kg!), dois microfones e respectivos tripés, cabos, várias caixas de fita magnética, algumas caixas de pilhas; tínhamos ainda outro gravador portátil da marca Uher.

 Imaginem a malta do cinema com câmaras de filmar, tripés, gravadores Nagra e caixas de filme, tudo muito mais pesado! 

Encontrámos no palanque dos discursos uma floresta de microfones! Enquanto eu e Cancan, fazíamos pequenas entrevistas aos deputados, o Zeca Martins subia e descia ao palanque para encontrar uma melhorar colocação dos nossos microfones. É que vinha um jornalista, tirava o nosso do lugar e metia o dele, depois vinha, outro fazia o mesmo e assim foi uma luta constante. 

Não havia água para se beber (não lembrámos de levar), o sol aquecia cada vez mais, o ar estava irrespirável de tanto calor… Começou o cerimonial, desfiles de Tabanka, organizações de massas etc. etc. Eu e o Cancan, sempre a falar e a descrever, o Zeca ia gravando… 

Começam então discursos e mais discursos! Está um sol de rachar, muitas pessoas não aguentam, há desmaios… Enfim, a troca de bandeiras! Momento de muita emoção, palmas, fracas, é que toda a gente está cansada e exausta. De novo mais discursos!

A cerimónia durou longas horas e quando tudo termina no Estádio da Várzea já depois da uma da tarde, dizem-nos que há uma cerimónia no Palácio no platô. Protestámos, estamos cansados, não vamos conseguir subir a pé ao platô com tanto equipamento! Conseguimos então uma boleia num carro da organização…

 Chegamos ao Palácio, mais discursos e nós a gravar tudo. E finalmente, fomos almoçar, depois das 15 horas, de novo andando a pé com o equipamento!

6 de julho,  domingo, havia uma feira/quermesse no Parque Infantil frente ao Palácio do platô. 

Segunda-feira,  7 de julho, todos os políticos e muitos convidados foram a S. Vicente onde continuam as comemorações da Independência. 

Como não havia lugar nos voos, acabei por ficar na Praia. Parti para Bissau, na terça, dia 8. O material gravado que levámos, a maioria discursos, estava desactualizado, o Tony Tcheca fez então um programa em directo com os nossos testemunhos, daquilo que aconteceu.

Cerca de mês e meio depois, segui em nova viagem para Cabo Verde. Missão: ajudar na organização da rádio na Praia. Faço contactos, decido ficar e sou admitido na Rádio Voz di Povo, onde passei a trabalhar. 

Trouxe comigo de Bissau uma cópia completa de todas as gravações realizadas no 5 de julho de 1975, que vieram a ser a base de vários programas emitidos ao longo dos anos aquando das diversas comemorações, nomeadamente para o 20.º aniversário e o meu programa radiofónico evocativo desse aniversário, seria editado em CD pelo Parlamento, por ocasião do 30.º aniversário. 

Pouco depois da minha chegada à Praia, foi criada no final de setembro de 1975 a Emissora Oficial, onde inicio a carreira e passo a integrar o quadro pessoal.

50 anos depois, estou aposentado. Casado, tenho três filhas (49, 47 e 41 anos de idade), quatro netos (26, 18, 3 anos, neta recém nascida com um mês de meio). Vivi a grande aventura do depois da «Independência»… no que me concerne, já escrevi como vivi e o que se passou na história recente da rádio (livro ainda não publicado) e também já escrevi sobre a história da rádio no antes da Indepedência (um dos livros já publicado, o 2.º à espera de ser editado). 

E para completar, já escrevi o que vi e vivi na Guiné de 1973 a 1975, porque memórias de cabo-verdiano de ambos os lados, na Guiné, antes de depois das Independências, também precisam ser conhecidas. 

Temos o dever apresentar uma visão para muitos dos mais velhos (que lá não estiveram) do que realmente se passou e deixar um legado às novas gerações.

(Revisão / fixação de texto, negritos, título: LG)
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Nota do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série :


3 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26978: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (6): reportagem do 5 de julho de 1975 - Parte I (Carlos Filipe Gonçalves)

quinta-feira, 3 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P26979: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (7): reportagem do 5 de julho de 1975 - Parte II (Carlos Filipe Gonçalves)




Cabo Verde > Praia > 4 de julho de 1975  > Na foto, eu (assinalado por um seta) na 1.ª Sessão da Assembleia Nacional, no dia 4 de Julho de 1975 ao final da tarde; em primeiro plano, Pedro Pires (n. Ilha do Fogo, 1934) e Aristides Pereira (Ilha da Boavista, 1923 - Coimbra, 2011) respetivamente, primeiros futuros 1º ministro de Cabo Verde (8/7/1975-4/4/1991) e presidente da república (8/7/1975 - 21/3/1991).

Foto (e legenda) : © Carlos Filipe Gonçalves (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Carlos Filipe Gonçalves, nosso antigo camarada na Guiné (foi fur mil amanuense, CefInt/QG/CTIG, Bissau, 1973/74), é uma figura pública no seu país, Cabo Verde: radialista, jornalista, escritor, etnomusicólogo...  (ver aqui entrada na Wikipedia). Natural do Mindelo, vive na Praia. É autor, no nosso blogue, da série "Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo)"

 
Cabo Verde - Reportagem por Ocasião do 5 de Julho de 1975 - Parte II
 
por Carlos Filipe Gonçalves (*)



Eu estava integrado na equipa da reportagem da RDN - Radiodifusão Nacional da Guiné-Bissau, onde era Chefe de Programação, desde setembro de 1974. 

A equipa de reportagem, era constituída por Zeca Martins, veterano da Rádio Libertação, Chefe da Secção Técnica de Operadores da RDN, António Óscar Barbosa (Cancan,  jornalista e repórter, e eu. 

Chegámos no dia 28 de junho, no avião que trouxe de Bissau Aristides Pereira e Nino Vieira. Fizemos a reportagem da eleição no dia 30 de junho, infelizmente, não conseguimos, enviar qualquer informação para Bissau, porque havia problemas nas linhas telefónicas. Depois, os acontecimentos, ocorrem, ou vão ocorrer e somos chamados… muitas vezes à última hora, de modo que andamos de uma lado para o outro, com mais de 15 kg de equipamentos às costas…

No dia 4 de julho, à tarde, e fomos chamados à residência na Prainha, para gravar a mensagem de Aristides Pereira, que deveria ser difundida à meia-noite. Logo depois rumámos ao p
latô [zona histórica da Praia],  cerca das 17 horas, para assistir à reunião da Assembleia Nacional Popular recém-eleita, que ia realizar-se salão da Câmara Municipal. 

Entrámos com o equipamento, instalámos os microfones na mesa e causámos surpresa! Não nos conhecem! 

Uma pergunta assustada: “Quem são, o que estão a fazer?”... Justificou o Zeca Martins: “Somos do Partido, viemos de Bissau, para gravar, documentar e filmar os acontecimentos!”...

 A situação acalma-se, desfaz-se o mal-entendido. Constituiu-se a mesa provisória, fez-se a chamada dos deputados e logo depois… todos os jornalistas são convidados a sair da sala. A reunião é feita à porta fechada!

À noite, assistimos ao célebre baile de 4 para 5 de julho na Praça, com o conjunto Os Tubarões Ambiente alegre e descontraído, as pessoas dançam, de vez em quando passam grupos a gritar: "Cabral! Ca Moré!" Ou então: "Cabral! Herói do Povo!" 

Na moda estão várias músicas na voz de Ildo Lobo (1953-2004) com o conjunto Os Tubarões, destaque para a morna Cabral Ca Mòré (Cabral não morreu) (**), a coladeira jocosa João da Lomba (#) e a balada Na Alto Cutelo, de Renato Cardoso.

(Revisão / fixação de texto, título: LG)
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Notas do editor LG:

(*) Último poste da série > 3 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26978: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (6): reportagem do 5 de julho de 1975 - Parte I (Carlos Filipe Gonçalves)


(**) Letra em crioulo e tradução para português
 
Cabral Ca Mori | Os Tubarões 

Oi, Kabuverdi, bu óra dja txiga
Sima bus irmons d'Áfrika grita
Indipendénsia, fidjus, dja no ten
Pa no ser livri, livri di tudu algen (bis)

Cabral ka móre, Cabral é gritu ki digigi mundu
Cabral ka móre, Cabral é gritu na nha peitu
Cabral ka móre, Cabral é liberdadi
Onra memória di erói di povu (bis)

Di PAIGC, partidu di luta
Na finason no ka pode skese-l
Di tudu irmon, erói ki da se sangi
Pa liberdadi, justisa di nos povu (bis)


Cabral ka móre, Cabral é gritu ki digigi mundu (...) (refrão)

Fonte:  Portal > Letras> Cabral ca mori | Os Tubarões  (com a devida vénia...)
 ________________

Cabral Não Morreu | Os Tubarões


Oh, Cabo Verde, a tua hora já chegou
Assim como os rmãos da África gritam 
Independência, filhos, já a temos, 
Para sermos livres, livres de qualquer um.  (bis)

Cabral não morreu, Cabral é um grito que abalou o mundo,
Cabral não morreu, Cabral é um grito no meu peito 
Cabral não morreu, Cabral é liberdade,
Honra a memória ao herói do povo. (bis)


Do PAIGC, partido da luta,
No “Finason” (##), não poderemos nunca esquecer
De todos os irmãos, o herói que deu seu sangue
Pela liberdade e justiça do nosso povo. (bis)

Cabral não morreu, Cabral é um grito que abala o mundo (refrão) (...)


(Revisão / fixação de texto, tradução com a ajuda da IA/Geminini / Google e do Carlos Filipe Gonçalves: LG)

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Notas do musicólogo Carlos Filipe Gonçalve

(#) Coladeira é um género musical de ritmo vivo. João da Lomba é o título da música do género Morna Galope que se confunde com a Coladeira,. Em crioulo Jon da Lomba. A Coladeira é um género musical satírico com humor; antigamente as Mornas também eram satíricas. esta faz uma critica a um caso que aconteceu num baile: depois de uma dança num baile no interior da ilha da Boavista, uma rapariga chama por João da Lomba, a quem que alumie a sala com candeeiro, para ele poder localizar o atrevido que tentou apalpá-la e quis feazer algo mais!

(##) Finason – o canto solo sem qualquer acompanhamento que constitui uma fase do Batuque. Nestes cânticos a solista, uma mulher geralmente já idosa, dá conselhos e faz apreciações digamos filosóficas sobre os mais diversos assuntos.

 

Guiné 61/74 - P26978: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (6): reportagem do 5 de julho de 1975 - Parte I (Carlos Filipe Gonçalves)




Cabo Verde > Ilha de santigao > Praia > Sede da Rádio Voz di Povo, no edifício da ex-Rádio Clube de Cabo Verde, ornamentada por ocasião do 5 de Julho de 1975. O escudo de Cabo Verde ficaria ali até 1987! (*)

Foto (e legenda) : © Carlos Filipe Gonçalves (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.



Cabo Verde > Praia > Platô (zona histórica). Cortesia de Voz do Arquipélago (2025)


1. Postagem publicada na página do Facebook de Carlos Filipe Gonçalves | terça, 1 de julho de 2025, 12: 46, bem como na página da Tabanca Grande:




O Carlos Filipe Gonçalves, nosso antigo camarada na Guiné (foi fur mil amanuense,  CefInt/QG/CTIG, Bissau, 1973/74), é uma figura pública no seu país, Cabo Verde (ver aqui entrada na Wikipedia). Natural do Mindelo, vive na Praia. É autor, no nosso blogue, da série "Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo)"


Cabo Verde - Reportagem por Ocasião do 5 de Julho de 1975 - Parte I
 
por Carlos Filipe Gonçalves (**)



50 anos depois, venho a saber, dois dias antes e três dias depois das eeições de 30 de junho de 1975, segunda feira, que todas as comunicações telefónicas tinahm sido colocadas à inteira disposição da Comissão Eleitoral. 

Imagino, pois, terá sido esta a causa da maior dificuldade que eu e o colega António Óscar Barbosa encontrámos na reportagem das eleições do dia 30 de junho e da Festa da Proclamação da Independência.

Quando íamos aos CTT justificavam os funcionários ao balcão: há problemas nas ligações telefónicas. Assim, ingloriamente, recorremos à boa vontade de dois «radioamadores», um deles o conhecido Hilário Brito. Mas, em vão… Ninguém respondia do outro lado…. Desistimos!

Proponho a continuação das minhas memórias nesses dias, hoje históricos para Cabo Verde.

Na terça-feira, dia 1 de julho, à tarde apanhei o voo para a Praia, onde vou encontrar os colegas da rádio de Bissau, Cancan e Zeca Martins e a malta do cinema que está encarregue de filmar todos os acontecimentos.

A missão agora é a reportagem do dia 5 de julho, no próximo sábado. Foi um dos maiores desafios que tive como profissional! 

O platô da cidade da Praia [ zona histórica ] está abarrotado de gente! No aeroporto é um chegar constante de aviões, que trazem delegações e personalidades estrangeiras que vêm assistir ao acontecimento; chegam dezenas e dezenas de jornalistas que vêm fazer a cobertura do evento.

A sede do PAIGC  
[na Av Amílcar Cabral], ali em frente da Praça, é para esse ponto que convergem todas as pessoas, há pequenos grupos, conversas, gargalhadas, a esplanada da praça está repleta. O ambiente é de expectativa, ao mesmo tempo, tenso. Sente-se que para trás ficaram os acontecimentos dolorosos que ocorreram desde há um ano e tal. A conversa do momento gira sempre à volta do alojamento, a pousada de 12 quartos na Prainha está esgotada, assim como todas as três e únicas pensões da cidade!

Algumas casas de «colonialistas/fascistas» na Prainha, agora nacionalizadas, servem para alojar personalidades mais importantes a nível do protocolo! Os menos importantes são alojados em camaratas improvisadas, no edifício de repartições na Ponta Belém, sedes dos serviços da Agricultura e Obras Públicas. Há ainda casas particulares nos arredores, Achadinha e Fazenda, que acolhem pessoal jornalista e outro. Foi o nosso caso. Para comer, há uma «messe» instalada ali na Rua Sá da Bandeira, numa cave de um edifício.

Motivos de reportagem e notícias, há muitos, mas passamos o resto dos dias a conversar e andar por aí, temos muito material gravado, mas não fazíamos notícias nem escrevíamos nada, pois o contacto com Bissau é impossível, não há linha telefónica disponível!

O António Óscar Barbosa lembra-se das dificuldades: 

“Nós até recorremos a rádios amadores! Lembras? Para transmitir as nossas reportagens!” 

E conta o que se passou na Praia:

 “Havia um senhor, o Hilário (Brito) … ele e outro senhor… Ângelo Mendes! Eram radioamadores doentes… tinham tudo… Nós íamos lá… e em Bissau, estava o Rendall, ele era chamado… tudo o que nós gravámos, saiu, não em condições, mas deu a entender o que se estava a passar…”

(Continua)

(Revisão / fixação de  texto, título: LG)

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Notas do editor LG:

(*) O que queria dizer a  sigla J. C.E., ao cimo da entrada do edifício ? Ao alto o brasão do PAIGC. Lateralmente, três cartazes com as figuras de Amílcar Cabarl, 'Che' (Guevara) e N'krumah. 

Não encontrámos resposta (verosímel) para a pergunta na consulta da Net, nem com a ajuda da IA (u  dos assistentes disse que era...a Juventude Católica Estudantil. 

O Rádio Clube de Cabo Verde era  a estação de rádio existente durante o período colonial, fundada na Praia em 1945.  Com a independência de Cabo Verde em 1975, a Rádio Clube de Cabo Verde foi rebatizada; passou a chamar-se  Rádio Voz di Cabo Verde, tornando-se a rádio nacional do país.

"Unidade, Trabalho e Progresso" era o lema do PAIGC... Foi alterado em 1980, em Cabo Verde. depois do golpe de Estado na Guiné-Bissau, liderado em Bissau por 'Nino' Vieira, e que depôs o presidente Luís Cabral, meio-irmão do Amílcar Cabral, filhos do mesmo pai (cabo-verdiano). A liderança cabo-verdiana do Partido considerou o golpe um ato de traição à causa da unidade Guiné-Bissau / Cabo Verde. Em 1981, seria fundado o Partido Africano para a Independência de Cabo Verde (PAICV). O lema do partido em Cabo Verde foi então alterado para "Unidade e Luta".

O edifício na imagem exibe características que são próprias do estilo Arte Deco (estrutura angular,  elementos decorativos geométricos, linhas horizontais das varandas ou saliências).  Não sabemos a data. Possivelmente anos 30/40.

 
(**) Último poste da série > 1 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26973: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (5): em 30 de junho de 1975, vindo de Bissau, eu fazia a reportagem das primeiras eleições de deputados, para a Assembleia Nacional Popular (Carlos Filipe Gonçalves)